segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Ancião

O ancião arrastou os pés até uma parada e levantou a cabeça, tão atemorizado como da primeira vez em que parou diante do templo. Nada que se assemelhasse a isso havia sido construido na Atenas onde havia nascido. Muito acima dele a entrada monumental parecia sustentar todo peso dos céus, seus pilares colossais lançando uma sombra iluminada pela Lua, muito além dos limites do templo, na vastidão pouco luminosa do deserto. À frente, não muito distintas, apareciam fileiras de imensas colunas, elevando-se em antecâmeras em forma de cavernas, suas superfícies polidas cobertas com inscrições hieroglíficas e formas humanas muito grandes, visíveis apenas sob a luz de tochas crepitantes. A única pista do que havia do outro lado era uma brisa fria, sussurrante, que trazia consigo o odor bolorento de incenso, como se alguem tivesse acabado de abrir as portas de uma câmera funerária havia sido muito fechada. O ancião estremeceu sem querer, sua conduta filosófica dando lugar, momentaneamente, a um medo irracional do desconhecido, um temor do poder dos deuses que ele não podia aplacar e os quais não estavam interessados no bem estar de seu povo.

"Aproxima-se, grego". As palavras assobiaram através das trevas enquanto o auxiliar acendia sua tocha em um dos fogos que havia na porta da entrada, a chamada tremeluzente relevando o físico de alguem magro e gracioso vestido apenas com uma tanga. À medida que se locomovia silenciosamente adiante, a chama flutuante era o unico sinal de seu progesso. Como sempre, ele parou na entrada do santuário interior e esperou impaciente pelo ancião, cuja forma encurvada seguia-o através da antecâmera. O auxiliar não sentia nada alem de desprezo por esse heleno, esse grego, com sua cabeça calva e barba desgrenhada, com suas perguntas intermináveis, que o fazia esperar no templo, todas as noites, muito alem do horário estabelecido. Ao escrever nos pergaminhos, o grego realizava um ato particulamente reservado aos sacerdotes.

Amenhotep, seu nome. Confuso, ele ainda estava perdido em devaneios a respeito do ouvirá. Uma Idade de Ouro, uma era de esplendor que mesmo os faraós não poderiam ter imaginado. Uma raça que dominava a fundo todas as artes, em fogo, pedra e metal. E, no entanto, eram homens e não gigantes como os ciclopes que construiram as antigas mualhas da Acrópole. Haviam encontrado o fruto divino e furtado-o. Sua cidadela resplandecia como o monte Olimpo. Eles ousaram desafiar os deuses e os deuses os abateram.

No entanto eles não pereceram.

Em seu devaneio, não percebeu duas sombras escuras que saíram furtivamente de trás de uma parede quando ele estava entrando na aldeia. O golpe atingiu-o sem que ele se desse conta do que estava acontecendo. Quando caiu ao chão, e a escuridão desceu sobre ele, percebeu vagamente mãos que lhe arrancavam a sacola dos ombros. Um dos vultos agarrou-lhe o pergaminho das mãos e resgou-o em tiras. Pergaminho que continha os segredos de alèm de uma história, uma cultura perdida nas entranhas dos pensamentos mestrais. Atiraram os fragmentos ao longe, o que os fez espalharem-se em um beco cheio de lixo. Os dois vultos desapareceram tão silenciosamente quanto chegaram, deixando o grego inconsciente e sangrando no meio da imundice.

Quando voltou a si, ele não se lembrava daquela ultima noite no templo. Nos anos seguintes raramente falava do tempo que passou em Saïs e nunca mais escreveu. A sabedoria de Amenhotep nunca mais sairia do santuário do templo, e parecia estar perdida para sempre quando os ultimos sacerdotes morreram e o lodo do Nilo recobriu o templo e a chave para decifrar os mais profundos mistérios do passado.