sábado, 19 de outubro de 2013

Dama

As vezes estive cansada, mas eu nunca fingi sorrir, não pra ele. Pra ele sempre dei o meu melhor sorriso, mesmo que muitas vezes disfarçado das várias incertezas e medos que digo que todos temos, talvez pra me sentir menos culpada. Mesmo assim ele sempre me perguntava o essencial e depois me olhava nos olhos e sorria menino com os olhos fechados, como se me soubesse inteira mas sem me invadir. Acho que é assim que ele me descobre, sem me deixar nua, mesmo que isso quase sempre acontecesse depois.

Passo sempre um filme parecido com esse em minha mente enquanto olho pra esse teto branco, deitada na cama, sentindo na boca o gosto amargo do ultimo cigarro da noite e da saliva dele. Lembro quando ele me ensinou a fazer isso, dizendo que quando acordamos temos que voltar com calma dos sonhos e lembrar dos detalhes da vida, pro espírito não se perder ao voltar pra realidade. Desde então faço isso sem querer, enquanto olho ele de bruços, com o lençol até a cintura. Enquanto sua pele morena escurece mais ao amanhecer e o ar, comigo, se embriaga com o cheiro amadeirado de seu suor.

Devagar, com o chacoalhar oco da persiana, o vento levanta o aroma suave de folhas e ervas orientais de um vaso perto da janela, que tímido se esconde por entre o cheiro de chuva e sexo no quarto. Sento torta na cama, olho pro céu chorando. Mesmo o tempo passando, o sabor de um momento assim nunca se vai, mesmo eu já tendo associado ele a tantos dias ruins, o sabor continua o mesmo. Como o tempo passa... Depois da junção de lembranças e silêncios sempre vem um sorriso torto e amarelo pra baixo, depois vem o primeiro cigarro do dia, chá de carqueja e vida.

Ele sempre dorme demais. Bom, sonha mais, mas não tem os primeiros minutos do sol como eu, mesmo que o céu esteja chorando. Sempre penso em acordar-lo pra ele saber disso, mas talvez os sonhos sejam mais confortáveis que os pensamentos dos primeiros minutos do sol.

Sentei no chão da sala, e comecei a apreciar os rabiscos de luz salpicarem na escuridão, formando na parede em frente desenhos disformes. Esquentei o chá demais, mas o chão esta frio. Por tantas vezes, enquanto ouvia música, meus olhos ficavam parados e eu imaginava se seria possível momentos como esse, tão absolutos que não acreditamos que possa existir. Então, quando eu estou em um momento assim, fico me perguntando se não estou sonhando. No final, eles acabam apenas servindo pra me tirar um pouco da vida, ou me levar pra ela? Argh.

Com você já conversei tanto no silêncio, dizendo palavrões sem querer e contando histórias grandes demais enquanto, no olhar, as vezes os olhos se enchiam de água. Dos seus olhos tão escuros sempre vi os primeiros minutos do sol. Mesmo assim não me ofuscava neles, mas brilhava mais forte.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Aquelas mudas.

Não se pode esquecer daquela chuva que não pode levar tudo embora. Só as vezes, enquanto esquecemos dos detalhes que afogam e aquiescem partes da alma. O importante é entender que dura apenas segundos, mesmo eles sendo longos, eles não correm mais do que deveriam correr.

Enquanto o tempo te diz pra se arrepender, ele passa leve por entre a respiração lenta típica de dias novos. Mesmo que por aquelas terras chova muito, por lá andei sob o sol. E quando reparei nas nuvens com os olhos fechados, já era tarde demais pra pensar em você, então por ali eu te deixei, e te esqueci ainda sorrindo atrás das redes coloridas e o gramado sintético. De seus lábios não consegui tirar sua cor e no seu olhar não vi a poesia que havia segurado nas mãos. Mesmo que estivesse quente, eu podia sentir o frio dela entre minhas mãos, sabendo que seria esquecida por aquelas palavras que tantas delas sussurraram no meu ouvido.

Mesmo assim, eu não podia esperar nada mais do que isso. Quando estava indo embora, o sono afagou os meus olhos e por alguns segundos ele se deixou levar. Por ali, reparei no detalhe que deixa o coração oco, por alguns segundos, estes que tantas vezes me diminuiu o olhar. E me destrinchou o fôlego e a alma, adormecendo de leve a ponta dos dedos. Detalhe que se esconde tanto em meus tantos sorrisos que sem querer se finge de segredo. Luzes da rua passando. Respiração. Piscar lento. Dedos dormentes. Respiração. Sonhar.

Nessas tantas estradas, o som do lado de fora nunca vem pra dentro. Enquanto o mundo brinca de ser mudo, os meus olhos apenas seguem os tantos montes e nuvens daquelas enormes pradarias. Mesmo sem ouvir estas enormes, conversava com elas e nelas deixava os tantos pontos cegos de minha alma. Me pergunto se elas mudas reclamavam e se estas mesmo que súbitas sabiam das tantas histórias que ouvia delas.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Posfácio

Sempre foi como um suspiro,
Uma vez ou outra me surpreendia,
Mas era sempre o mesmo sabor suave e doce nos lábios dela.
Enquanto o vento sopra oco com as batidas secas e pesadas do violão,
Ela se esquece do mundo nos meus braços
E eu me arrepio com o seu cheiro de âmbar e baunilha no ar.
Em silêncio ela adormece ouvindo meu coração bater,
E devagar vai me levando com ela por estradas aonde a luz do sol não cria sombras em nós.

domingo, 7 de julho de 2013

Nenhum

Quando os erros da realidade criam sonhos e deles se formam um mundo.

Na minha parte do segredo, os enormes campos de flores vinho soam com o vento e as cores do horizonte apagam o sol, como se ele fosse um bebê com sono no final da tarde. As cores escorregam pelo céu até o outro lado, como se soubessem aonde ir, até virarem escuro e algumas perdidas e desajeitadas virarem estrelas, outras tristes e alegres, galáxias e poucas simples e silenciosas, verdadeiros universos.

Entre as nossas partes inteiras, apenas uma arvore se abraça em si, como se soubesse tanto, e que por ali ficasse pra não deixar escapar as sensações e segredos daquele abraço. Protegendo ele em si, sem se mover do lugar. Observando silenciosa o tempo passar apressado, entre chuvas e tempos bons, entre os tantos latentes frios que se escondem súbitos dos olhos claros do seu céu.

Na falta de como se expressar, a alma se perde em um olhar paradoe sua visão se desloca para aquele lugar. Se perdendo e se encontrando. Reciclando "eu´s" do passado ao criar os detalhes. Sem perceber, se criam momentos sutis e belos, que pelo apelo que os anseia, tornam eles futuros sublimes, que nos sonhos parecem tão próximos e na realidade tão distantes. Mesmo assim você não esquece de estar lá e mesmo que só as vezes, cria nele tantas montanhas e céus, que suas palavras não conseguem descrever.

Hoje sei que não invento você, que você se cria só estando comigo. Transformando em sentido as tantas gotas de silêncio que regem as diretrizes de nossas terras. Formando os tantos pedaços de história que eu insisto em contar.

Por lá você acorda, depois de se espreguiçar, você levanta nua e vai até a janela, fecha um pouco os olhos por causa da luz morna da noite e suspira com eles fechados. A brisa te arrepia e você leva as mãos aos braços, se abraçando. Seus olhos claros escurecem com os tons da noite, você esboça um sorriso e encosta a cabeça na janela. Por ali você fica, esperando que a noite te abrace, até que você seja dela, até que meus olhos não possam mais diferenciar você da Lua.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O humano e uma praia deserta

Aonde que começa o oceano nesta enorme praia?

É quando você encontra as verdades por trás do seu ser. Por entre as frases e os verbos escritos por um olhar parado, solitário em meio as trevas silenciosas das agonias mudas chamadas de inteligências. Quando assim é, o mais intimo ser dentro de você entra em contato contigo, abrindo uma janela que os humanos não conseguem ver. Não há volta. Desde o começo, nos perpetuamos a seguir inevitavelmente em frente, por entre parábolas e metáforas em forma de pessoas, viagens, músicas, datas e jantares de família. Nesse espaço de tempo tão tangível, tantas vezes, se para o lápis e se olha para o papel buscando por dentro os mundos que coexistem tímidos na consciência e imaginação. Mundos em que talvez já tenhamos existido e experimentado.

Até que ponto a existência intima e subjetiva de cada ser humano, a alma, o intangível, o espírito, influencia na vida e vice e versa? Até aonde o que chamamos de sonho influencia na chamada realidade? Como saber o que mais influência em nós, o místico intangível dos mundos intrínsecos no espírito ou a materialidade ilusória e relativa da vida? Analogamente, quem é "soberano" em uma praia, o oceano ou a terra, se um avança e recua tanto quanto o outro?

No ato inexorável do estar humano, somos uma enorme praia. Sendo das águas do oceano e dos minerais da terra, por horas mais oceano e por outras mais terra. Em noites longas de lua cheias e manhãs de ressaca.

Quando se repara nos detalhes e peculiaridades de toda sorte, se passa a expandir a percepção e a capacidade de sentir o redor, respirando a transpirando com o mundo. Ande, caminhe indefinidamente, mas lembre-se de estar descalço, sentindo a terra molhada nos seus pés.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Sussurros de um chapéu de palha

O murmurinho silencioso agita o ar, fazendo chegar ao meu nariz o cheiro doce da madeira no tablado. Enquanto isso o céu continua apagado e o tempo passa lento, deixando Sóis no mar.

A falácia após o grito é breve, curta e grossa como as histórias daquelas manhãs dormentes. Dentro dessas, jazem lições que deveriam ser aprendidas em silêncio e só, como uma meditação, mas de súbido nossa boca enche de água e se para de ouvir a voz que sussurra por dentro. Cuidado! Não tenha pressa, isso no seu corpo é um arrepio e a sensação na sua barriga é o maior desespero do mundo. Porque esses olhos de raiva? Em suma, a loucura continua no mesmo lugar e as nobres poesias de outrora deveras continuam a dançar, com o chapéu na cabeça um pouco inclinado para frente, escondendo os olhos daqueles tantos olhares cheios de som, dando a eles apenas o meu melhor sorriso, aquele com o tom seu.

Em meio aos devaneios hipócritas do ego, os pensamentos feitos pelas manhãs e nuvens vão se alastrando e tomando conta de quase tudo. De todas as formas, o fluxo segue sábio, aparando pontas afiadas, cortando ervas daninhas e lustrando cada vez mais o espelho da alma.

As verdades se formam na mente e por medo de encarar a si mesmo, conscientemente se esquece delas. Assim se procede quando se transforma o passado em algo desagradável e vergonhoso. Se rejeita. Apaga da memória. Mas no final, a marca está sempre lá, nada é realmente esquecido.