quinta-feira, 12 de junho de 2014

Logo será frio o suficiente

A noite era mais leve que seus pensamentos esguios, camuflados de fuga e álcool. Mesmo que eu me esquecesse do verso, em silencio tremia os dedos e o som oco que ofuscava meus olhos me fazia lembrar. Achava que era o vento, mas eu não sabia disso.

Meu otimismo e paciência que controlo remotamente me disfarçam de Deus por alguns instantes, enquanto o fogo que queima por dentro é mais fraco do que o fogo daquelas que já chamei de minhas. Hoje não apago mais eles, outros apagam. E amantes, como eu fui, confundem seu orgasmo cansado com amor, babado de saliva e liquido vaginal. Mas estes não broxam se depois do sexo o sono só chega se for de braços dados. Não broxam se os olhos perdidos não se encontram enquanto os corpos pulsam e exalam um só. E amantes, como fui, confundem o sorriso e o vinho com a noite mais especial de todas, terminada em ressaca, mau hálito, pênis ardendo e ela nem tão satisfeita assim, nem você.

Na memória falecida com a poesia e os bons sonhos e modos, as cantigas e desejos que já cantei se tingem de cansaço e beijos longos que depois de um tempo não mais são. Se parecesse mais real ser sincero, se tornaria vazio olhar ao longe e ver tantos sorrisos e bocas, que mastigam mentiras, dores nas costas, um trabalho horrível, bocetas fáceis, amigos que não existem, arrependimentos e preservativos furados.

Por alguns instantes a vida realmente parece uma doença sexualmente transmissível, e mesmo que dure apenas instantes, se vive. E no ciclo inóspito e quase sem querer humano demais, se vê sentido nela de novo e de novo. E irremediavelmente você flui em frente, desvendando véus de camuflagens e medos, te fazendo respirar de novo, tolo e feliz.

Amanhecer no anoitecer

No amanhecer magro da madrugada o céu corria mais rápido do que parecia, a lua permanecia parada e a luz na janela era tão morna que esquentava a pele só de olhar. Ela dormia todas as noites com o mesmo pijama e seu andar sem medo pisava forte no piso frio de mármore. Sua expressão de noite dizia mais que as palavras que ela não dizia e entre parágrafos e frases ela andava a casa inteira, objetiva e infalível.

Pés frios e mãos quentes, escorregavam por entre a madrugada de vento. As cortinas transparentes que se debatiam, ornamentavam o som que naquela distancia só se faziam ouvir dúbios e irrelevantes, mas a noite parecia depender deles, antes que amanhecesse sem ventar com a lua e o poema de cadeados e história. O sono dela é de alguma forma fosco, e vendo com olhos acostumados a escuridão, ele parece confortável e claro demais. Assim ele dizia por ela, pouco e importante, na medida certa.

O momento era lento, enquanto brincava de soltar fumaça e ficar tonto. O que ecoava no fundo era uma valsa que ela cantava com a boca fechada, ressonante, como uma onda. Com a boca fechada e a pisada forte e lenta no chão. De olhos fechados, ouvi sorrindo e não imaginava seu rosto na escuridão, só suas mãos tateando nas paredes escuras e seu olhar felino prescrutando a noite.