sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Áspero líquido escuro

O que era noite eu preenchia de nomes e metáforas e chamava tudo isso de poesia. Foi quando descobri que a noite na verdade não tinha forma, sendo água, não se limitava a ser ou a estar, a noite negava artigos e adjetivos. Por tantas negava também sua existência, essa mesma noite negava respirar e a fluir, mesmo sendo água, fluía seca. Continuou sem formas e verbos, reverberava sozinha exaustivamente sem frases e sentido. Antes que fosse abandonada se libertou de seu dono, se alforriou sem ser negra. Mesmo sendo colorida, negou qualquer formato, antes que lhe ditassem o gosto, o modo e o nome. Doente, se esqueceu do passado e do futuro. Quis ir além, mas não existia durante o dia, sem ser preenchida de amor e sede, ser líquido que lhe define se tornou áspero e seu toque ardia e repuxava a pele. Sua inconstância a tornará desconfortável e sua suave forma de abraçar acalentava apenas os que te chamam de poesia.

Antes que apodrece-se ainda pulsava muda, agora livre, não se permite chamar atenção. Seu som não emite ondas e seu toque não se sente com olhos fechados. Sua existência não tem expressão. Sua harmonia é incômoda, sua desforme grandeza é sutil e seu amor só sonha quando se deita em sua escuridão.